São mais ou menos 10 minutos para fazer e uma deliciosa eternidade até o momento em que eu retorno a realidade.
Coloco Ben Harper no som e entro no clima. Sinto a grata sensação de que estou indo para o paraíso. Ao tocar da primeira música o suspiro vem profundo, apaixonado. Meu sorriso se abre e a felicidade finalmente chega. São alguns passos dali para a cozinha. Passos que parecem a flutuação de alguém que está prestes a realizar um sonho, um desejo jamais experimentado antes.
Coloco a quantidade de água necessária na panela, aproximadamente quatro dedos, e levo-a ao fogão, de preferência em fogo alto. Pego a garrafa e lavo-a com um pouco da água já quente que está fervendo. Não muito. Tomo cuidado, pois essa garrafa é a morada provisória do meu bem.Pego o suporte, o porta filtro e coloco o coador de papel dentro dele. Nesse momento, sinto um arrepio. Estou abrindo o pote da felicidade. O aroma toma conta do ambiente. Sobe, entra pelo nariz, meus olhos brilham, quase choro emocionado. Já está tocando a segunda música do cd.
Para quatro dedos de água, coloco três colheres de sopa cheias! Não prenso, deixo como está. A água começa a borbulhar, jogo-a no pó e deixo-a escorrer para a garrafa. Não mexo, apenas deixo ir. Não gosto de seguir o padrão. Assim tenho feito e conquistado alguns paladares perdidos e loucos pelo néctar dos deuses!
Fecho a garrafa em um movimento suave. Desenrosco a tampa com delicadeza e deixo-o descer e fazer a sua dança até a minha caneca favorita. Parece uma cascata negra e brilhosa, cheia de vida, incandescente! Enquanto cai, faz do reflexo da luz uma série de figuras abstratas. Já começo a me emocionar. “And i'm waiting on an angel, and i know it won't be long, to find myself a resting place, in my angel's arms, in my angel's arms”. Nem percebo e já estou cantando.
A fumaça sobe pra fora da caneca e faz o seu malabarismo encantador. São curvas e rebolados, até parece que está dançando a música. Parece que está me chamando pra dançar juntinho com ela. Está tentando me conquistar. Nem precisa. Já estou de queixo caído a sua frente. Já sou seu escravo e amante, capaz de me ajoelhar aos seus pés. Não aceito o convite, não quero estragar tudo, pisar no seu pé. Fico ali, estático, apenas olhando e deixando me envolver pelo seu balé.
Dali pra varanda são mais alguns passos. Passos daqueles que damos quando caminhamos nas nuvens. Aproveito para aumentar o som. Deixo a caneca no aparador e subo o toldo. Quero ver as estrelas brilhando pra mim. Fico ali, bebendo bem devagar. Bebo como se fosse a última vez. Brinco com ele. Sento no sofá, puxo uma cadeira e estico as pernas. São quase quarenta minutos hipnotizado quando percebo que o som já havia parado há algum tempo.
Ok, sem problemas, crio coragem, coloco outro cd e vou pegar mais uma caneca de café. Pode até acabar o momento, mas o sabor fica. O paladar e a memória são meus cúmplices fiéis. Só nós três sabemos o que se passa naquele momento só nós três conseguimos sentir tal prazer tão difícil de explicar.
De repente, lá em baixo, na rua, ouço um carro buzinando bem alto para um outro que só quer estacionar. Parou o trânsito por alguns segundos para fazer baliza. Percebo que acabou a segunda caneca. É hora de voltar a realidade. Mau posso esperar para fazer o meu próximo café. Já pensei até na trilha. Quero ouvir Norah Jones e cantar Sunrise!
Imagens: www.imagebank.comEscrito ao som de Ben HarperPróximo texto: amor platônico...